Cinema crítico – O que é necessário para desenvolver uma boa resenha/crítica de cinema?

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Olá estudantes/simpatizantes da área do Jornalismo 🙂

Para que possamos escrever uma boa crítica ou resenha relacionada a Cinema é preciso que, além de estudos na área, sejam eles básicos ou não, tenhamos opiniões de quem já está habituado a escrevê-las. Então, procuramos um dos editores-chefes do site CinePlayers, Daniel Dalpizzolo, que nos respondeu a seguinte pergunta: 

O que é necessário para desenvolver uma boa resenha/crítica de cinema? 

Eis a resposta: 

 

“O texto crítico, assim como o cinema, não depende de uma regra específica pra ser bem ou mal sucedido. Pra falarmos em crítica, antes de abordarmos o que realmente deve constar em uma crítica, devemos ir à essência do que a arte traz de mais valioso: a possibilidade de o homem expressar sua relação com o mundo através de palavras, imagens, sons, encenações, da sua imaginação. O cinema e as demais artes possibilitam a crítica, pois são meios subjetivos de comunicação em que são projetados valores, ideais, olhares, sensações, sentimentos, vivências, desejos. Não existe filme sem que antes haja uma crença, um valor, uma ideia, um objetivo que leve seus autores a filmar – mesmo dentro do processo industrial/comercial de fazer cinema. E não existe um meio prático de dizermos que um filme está 100% certo ou errado em suas pretensões ou no resultado final, porque para extrairmos uma análise a partir da nossa relação com um filme precisamos entrar em questões muito pessoais, já que esse julgamento vai ser conduzido por um olhar também subjetivo – que pode ser o olhar do espectador ou o olhar do crítico, mas aí é que chegamos no ponto que me parece mais importante: quais são os valores que me interessam no olhar crítico (na minha visão, e continuará sendo uma visão particular, com a qual você pode ou não concordar, sem jamais ser uma regra que imponho).

É claro que se levarmos à risca esse pensamento entramos numa relativização perigosa – nada é passível de crítica. Mas também precisamos considerar que a crítica, no momento em que se propõe a discutir uma obra, torna-se um novo processo, um novo organismo; enfim, uma nova obra, gerida a partir do que ela pretende refletir de outra. Se não me engano foi Truffaut quem disse uma vez que filmar é fazer uma releitura do roteiro, e que montar um filme seria fazer uma releitura das imagens filmadas. Imagino que a crítica traga em sua essência, como ponto de partida, um processo de releitura da obra que aborda, filtrada pelo olhar do crítico – ou seja, a partir deste contato, lidamos com valores, ideais, olhares, sensações, sentimentos, vivências, desejos, não apenas do autor do filme, mas também do autor do texto, e de como este autor enxerga aquele primeiro conjunto. É uma forma de estender a relação efêmera do olhar com o filme, que fisicamente terminaria na projeção do último frame.

A crítica que me desperta curiosidade não é a crítica que pretende apontar acertos e defeitos dos filmes, a patrulha do bom gosto que se vê muitas vezes por aí (e ainda é a maioria esmagadora), que às vezes não faz mais que atribuir um juízo de valor sobre aspectos técnicos (se o filme é “bem” feito, se tem “bom” roteiro, visual, fotografia, direção de arte, trilha-sonora, se a maquiadora é “boa” – todos os adjetivos destacados hehe). O que eu aprecio na crítica, tanto em escrever quanto ler, é o que este texto pode acrescentar à experiência proporcionada pelo filme. O desejo de ir ao filme para viajar além do filme, de encontrar na misé em scène, na estética, no processo, na encenação, pontos que você queira discutir, que te despertem uma ideia que você precisa compartilhar com outros, que te leve a estabelecer conexões e reflexões ou, no caso da leitura da crítica, que façam você enxergar pontos que ainda não havia visto, abrindo caminhos para novas possibilidades de leitura daquele filme, das cenas, das formas de expressão do autor.

Pra que isso ocorra também acredito ser importante que o crítico tenha consciência do seu papel, que é diferente do papel do espectador, por exemplo, pois o espectador em geral não possui nenhum dever intelectual com a obra – pode, por opção, se bastar no juízo de valor (gosto/não gosto), embora isso me pareça triste demais enquanto espectador… mas aí entramos em outro assunto. Já o crítico, se pretende construir uma reflexão sobre um filme, tem este dever, e precisa buscar, antes de tudo, compreender o que pretende o autor com aquele filme, como apresenta suas ideias através da obra (há a meu ver uma deturpação dos conceitos de forma e conteúdo, que muitas vezes são discutidos separadamente, mas que a mim são inseparáveis, pois o conteúdo do filme não é apenas o que ele tem a dizer, mas sim a forma com que comunica isso), qual é o contexto em que aquelas ideias se inserem, o contexto de realização, pois os filmes, em maior ou menor medida, refletem tudo isso; e a partir dessa compreensão buscar estabelecer sua própria reflexão, impor sobre a obra seu conjunto de valores (éticos, morais, estéticos, enfim, seus valores intelectuais, sua bagagem cultural e sua vivência) para dar vida a esta nova obra, que torna-se, após esse processo, um texto crítico.”

 

A opinião do Daniel, elaborada especialmente para o nosso blog, é de muita importância para o Jornalista que pretende atuar nessa área, já que é um relato pessoal de suas experiências. Boa leitura!  

 

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